O Ministério da Energia e Águas de Angola acusou hoje a eléctrica AEnergy, com quem mantém uma disputa judicial, de tentar “manchar a reputação” do Governo, e diz que a decisão da justiça norte-americana confirma a “isenção” dos tribunais angolanos.
A justiça norte-americana recusou julgar um processo movido pela AEnergy contra o Estado angolano, relacionado com a rescisão dos contratos que tinha celebrado com o Governo para construir e operar centrais termoeléctricas, remetendo o caso para Luanda.
Numa nota hoje divulgada, o Ministério da Energia e Águas diz que a eléctrica luso-angolana tem vindo a recorrer aos tribunais internacionais e às redes sociais para, através de vídeos e textos “alegadamente jornalísticos”, pôr em causa o bom nome do Governo e “manchar a reputação com fundamentos difamatórios”.
O ministério sublinha que Angola foi absolvida, em primeira instância, na acção interposta pela AEnergy, porque o tribunal entendeu que o foro adequado para julgar a causa era o angolano, tendo a empresa perdido igualmente o recurso, decisão conhecida na quinta-feira.
“Foi negado provimento por decisão do Tribunal de Recurso do Segundo Distrito de New York, que manteve a sentença recorrida e o respectivo fundamento, reconhecendo que a Justiça angolana é a adequada para dirimir o litígio e confirmando o juízo de isenção e imparcialidade dos tribunais angolanos”, refere o ministério numa nota de imprensa.
O Governo reitera que na base da rescisão dos contratos estão as irregularidades detectadas e a “quebra de confiança”.
Os contratos, celebrados pela Empresa de Produção de Electricidade (PRODEL) e pela Empresa Nacional de Distribuição de Electricidade (ENDE) e a AEnergy, ao abrigo de um Acordo de Empréstimo assinado entre o Ministério das Finanças e a GE Capital Limitada, foram rescindidos por “violação do princípio da boa-fé e a quebra de confiança”, salienta-se no comunicado.
“Foram verificadas irregularidades por parte da AEnergy SA, designadamente a aquisição de quatro turbinas no âmbito do financiamento GE Capital Limitada, sem que as mesmas tivessem sido previstas nos contratos celebrados com o sector”, acrescenta-se no documento.
Em declarações à Lusa na quinta-feira, uma fonte da AEergy garantiu que a empresa “não vai baixar os braços” e vai continuar a contestar a decisão do Governo angolano até ao fim.
O processo remonta a 2017, altura em que a empresa de energia, liderada pelo português Ricardo Machado, foi contratada para construir e operar várias centrais estatais. O acordo foi financiado através de uma linha de crédito de 1,1 mil milhões dólares com uma unidade da General Electric, o qual estipulava que a AEnergy comprasse oito turbinas GE para aquelas centrais.
Angola rescindiu os contratos em 2019, alegando quebra de confiança por uma suposta alteração à linha de crédito da GE para comprar mais quatro turbinas sem aprovação.
Na acção movida em maio do ano passado, a AEnergy acusou a GE de falsificar documentos para difamar a eléctrica e assumir o seu trabalho e acusou o Governo angolano de concordar com o esquema para que pudesse cancelar os contratos antes do pagamento integral e apreender as quatro turbinas para seu benefício.
Fonte da AEnergy disse que as turbinas arrestadas estão a ser usadas pelo Estado angolano, apesar de “supostamente se encontrarem à guarda de um fiel depositário”, o que “não seria possível num Estado de Direito”.
Na sede da PRODEL (empresa pública angolana de produção de electricidade) já só lá está uma (turbina)”, afirmou, indicando que a situação pode ser confirmada através da visualização de fotografias do Google Earth e notícias de obras divulgadas pelo próprio Ministério de Energia e Águas.
“Cada dia que passa estão a dar-nos mais argumentos. Temos a nossa estratégia legal e vamos prosseguir com a causa, dure o tempo que durar. As provas estão aí e vamos continuar a litigar até ganhar”, prosseguiu a fonte, preferindo não entrar em detalhes sobre os próximos passos a dar.
A versão (mais ou menos) oficial
O Tribunal Provincial de Luanda determinou no dia 6 de Dezembro de 2019, o arresto de 4 Turbinas GE TM2500 e de um conjunto de equipamentos, peças e consumíveis em posse da empresa Aenergy, SA.
De acordo com uma nota da Procuradoria-Geral da República (PGR), o aresto dos bens surge na sequência de (supostos) indícios de violação dos contratos celebrados com o Ministério da Energia e Águas (MINEA), através da PRODEL.
Os contratos previam o fornecimento de turbinas destinadas à produção de energia eléctrica, decorrente de uma linha de crédito atribuída ao Estado Angolano, pela General Electric Capital, Limeted, no valor de USD 1.100.000.000,00.
A PGR avançou que o arresto resultou da providência cautelar intentada pelo Serviço Nacional de Recuperação de Activos, tendo em conta que os bens em causa foram adquiridos com fundos públicos sem o conhecimento do MINEA.
Informou ainda que em sede do mesmo processo foram arrestadas peças e equipamentos consumíveis decorrentes de um contrato de fornecimento e assistência técnica de geradores industriais e outros materiais de produção de energia eléctrica celebrado entre a Aenergy, SA e o MINEA, através da ENDE, no valor de USD 114.267.108,40.
Os bens apreendidos ficaram na posse do Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE).
De recordar que o Governo, através de um Decreto Presidencial de 23 de Outubro de 2019, rescindiu o contrato de concessão com a AEnergy, SA, que previa a instalação de uma central termoeléctrico, biocombustível de 750 megawatts no Soyo II, província do Zaire. O mesmo foi suspenso por “violação dos princípios de boa-fé e quebra da base de confiança”.
O contrato em referência foi celebrado em 2017 com a sociedade “Combined Cycle Power Plat Soyo, S.A” com base no Decreto Presidencial nº 186/17, de 14 Agosto, que aprovava o projecto de concessão no Regime de B.O.T “Built Operate and Transfer.
De acordo com as informações disponibilizadas no seu site, a Aenergy nasceu em 2012, em Angola, “fruto da visão de uma equipa empenhada, experiente e munida das competências necessárias para implementar um projecto que ainda hoje se assume ambicioso: ser uma empresa reconhecida na oferta de soluções integradas em parceria, que permitam optimizar recursos e soluções para os seus clientes, essencialmente nos sectores da Energia e dos Transportes”.
“Começando por se dedicar em exclusivo ao mercado angolano, a Aenergy foi crescendo através das mais diversas oportunidades, com especial foco no desenvolvimento de projectos estratégicos e prioritários para o sector público do país, designadamente no domínio das infra-estruturas, equipamentos e serviços, no âmbito da Energia e dos Transportes”, refere.
Acrescenta que “já com caminho percorrido e modelos de negócio testados com sucesso, a Aenergy está a expandir-se pelo continente africano marcando presença em países como Camarões, Gana, Namíbia, Moçambique e São Tomé e Príncipe. Esta estratégia permite aumentar o volume de negócios e a conquista de uma significativa carteira de projectos, mas também obriga a crescer de forma sustentada, promovendo uma melhor organização e optimização de recursos, sistemas de gestão mais ágeis, maior capacidade de resposta e qualificações mais exigentes”.
«Hoje, com 400 colaboradores empenhados nos diversos projectos, parcerias estratégicas com empresas internacionais e provas dadas quer em empreendimentos de investimento privado quer em parcerias público-privadas, a Aenergy é uma referência incontornável. A internacionalização do seu modelo de negócio continua a ser consolidada, com vista a um crescimento cada vez mais sustentável”, afirma a empresa.
Folha 8 com Lusa